quinta-feira, 25 de abril de 2024

O Cinquentenário do 25 de Abril

Discorrer sobre o 25 de Abril é falar de liberdade, enquanto expressão das nossas aspirações, da persecução dos nossos sonhos e da esperança de podermos viver conforme os nossos valores. A liberdade, pedra angular daquela que é a nossa divisa, não só fundamenta as sociedades justas e equitativas, como a sua privação torna totalmente pueril a igualdade e a fraternidade; a verdadeira igualdade só é alcançável quando todos experienciamos liberdade de pensamento e de oportunidades, e a fraternidade apenas floresce quando temos a liberdade de nos unir, de plena vontade, sem medo e sem coerção. 

Falar em liberdade é também recordar a história da Loja Estrela d’Alva; tendo erguido colunas no início do século passado, a sua narrativa cruza momentos marcantes da nossa história, onde se incluem as décadas de ditadura que culminam no 25 de abril de 1974, cujo cinquentenário hoje celebramos.

É neste contexto que vos trago algumas palavras condignas com esta solenidade; palavras de difícil traçado, por evocarem um passado que, pela minha juventude não experienciei, mas que vive no meu coração e no meu quotidiano, e se sustenta no exemplo de vida dos inúmeros Irmãos que hoje recordamos e homenageamos. É um recorte dessas memórias que vos ofereço hoje, para que as histórias de vida dos Irmãos que lutaram incansável e altruisticamente em prol da liberdade, não se percam nas páginas estéreis dos livros e permaneçam sempre vivas nos nossos corações.

Dos inúmeros Irmãos vivenciaram esses tempos, há dois nomes que hoje entendi relevar, pelo papel que desempenharam neste hiato democrático, os Nossos Irmãos Raul Wheelhouse e José Joaquim Pascoal Gomes.

Recuando ao turbulento ínterim do início da década de 30, com o Palácio Maçónico encerrado e os Maçons a viverem em semiclandestinidade, Raul Wheelhouse, médico e cirurgião no Sardoal, enquanto Venerável da Loja Estrela d’Alva, desenvolve profusa atividade Maçónica dentro e fora da Loja, com uma importante participação na fundação dos Triângulos do Sardoal e do Entroncamento. 

Republicano convicto, e fervoroso ativista político, enquanto opositor à ditadura militar vigente, é mantido sobre apertada vigilância pela polícia de defesa política e social o que conclui na sua demissão forçada de médico do partido municipal e na sua posterior prisão em 11 de março de 1933; a sua libertação precoce, serve apenas de preludio para o seu julgamento e condenação ao degredo, no forte de São João Batista em Angra do Heroísmo.

Em 1935, com a Maçonaria vetada à proibição e com o Palácio Maçónico usurpado pela Legião Portuguesa, Raul Wheelhouse regressa do exílio e retoma o seu Trabalho Maçónico como Venerável, cargo que desempenha até 1944. Manteve também durante inúmeros anos consultório na sua casa do Sardoal, sendo ainda hoje recordada a sua grande competência, altruísmo e generosidade para com aqueles que não tinham capacidade económica para pagar os honorários que lhe cabiam, reduzindo-os ou deles abdicando.

Em 1945, e com o fim da segunda grande guerra, Salazar anuncia a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de colégios eleitorais, com o intuito de mostrar no plano internacional o suposto carácter democrático do regime; aproveitando esta aparente abertura, um grupo de republicanos, do qual faz parte Raul Wheelhouse, reúne a 8 de outubro de 1945 no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, plenário que mais tarde resulta na criação do Movimento de Unidade Democrática, MUD.

É nesse mesmo ano que primeiramente ouvimos falar de José Joaquim Pascoal Gomes, à época sem qualquer filiação Maçónica, mas cuja recusa persistente em subscrever qualquer lista de apoio ao governo de Salazar, o faz abandonar o serviço publico e filiar-se também no MUD. No ano subsequente, o Partido Socialista Português reorganiza-se sob a designação de Partido Socialista - Secção Portuguesa da Internacional Operária (PSP-SPIO), e vê Raul Wheelhouse ingressar como presidente da sua comissão executiva, cargo que exerce até 1948.

Viviam-se tempos que exigiam aos Maçons cuidado nos métodos e frugalidade na matéria escrita, e terá sido nesse período que Raul Wheelhouse não só exerce diversos cargos no Grande Oriente Lusitano Unido, como facilita o seu domicílio para a realização de reuniões dos distintos órgãos da Obediência. A 23 de outubro de 1947 é iniciado na Loja Estrela d’Alva, José Joaquim Pascoal Gomes, à data composta por cerca de trinta Obreiros.

Em 1949, Raul Wheelhouse e Pascoal Gomes tomam parte ativa na candidatura à presidência da república do general Norton de Matos; em 1958, enquanto apoiante de Arlindo Vicente, Pascoal Gomes é detido pela PIDE e mantido recluso em Caxias. Nesse mesmo ano, Raul Wheelhouse participa na candidatura do general Humberto Delgado à presidência, dando-lhe posterior guarida na sua casa do Sardoal aquando da sua perseguição pela polícia política, pouco antes de este ser forçado ao exílio.

Liberto do seu cárcere, os tempos obrigam a que Pascoal Gomes desempenhe uma multiplicidade de cargos em Loja; e é enquanto intendente dos banquetes, que assume a incumbência de assegurar a realização das reuniões de Loja, por à época estas tomarem frequentemente, e por precaução, a forma de um almoço mensal sob um qualquer pretexto profano. Esse desassossego, a bem do anonimato, conduz os Irmãos do Restelo a Linda-a-Velha, passando pelo estabelecimento do Garrido Alfaiate nos Restauradores, pelo Restaurante da Quinta de S. Vicente, pela Pastelaria Ferrari, e mesmo pelo domicílio de Raul Wheelhouse, no Sardoal.

Nesse tempo e geografia, Pascoal Gomes recorda três figuras notáveis que refere terem marcado a sua vida profana e Maçónica; o Dr. Ramon de La Féria, o Dr. Luís Rebordão, à época Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido e o Dr. Luís Dias Amado, e enaltece ainda as relações de grande proximidade entre a sua Loja Estrela d’Alva e as Lojas Pureza, Simpatia e União e Liberdade. A partir de 1966 passa a integrar os órgãos do, à época denominado Asilo de S. João, até que entre 1970 e 1973 passa a membro efetivo da respetiva direção, período coincidente com a transição para a atual denominação, de Internato de São João.

Em torno de 1972, e ainda que com profundas reservas do regime, Raul Wheelhouse é finalmente autorizado a voltar a exercer a Medicina no serviço público, integrando a Casa do Povo do Sardoal.

Chegados a 25 de abril de 1974, Pascoal Gomes encontra-se afastado dos Trabalhos de Loja, por estar em tratamento no estrangeiro para uma grave enfermidade, e viu-se privado de testemunhar, o que o próprio denomina de “a gloriosa manhã da libertação da nossa Pátria amada”, ausência que muito o marcou.

Já em plena liberdade, a 30 de novembro de 1974 é formalmente entregue no Grande Oriente Lusitano o quadro da Loja Estrela d’Alva com 14 obreiros e a 11 de Dezembro desse mesmo ano realiza-se neste Palácio a primeira Sessão em plena liberdade.

Com o regresso dos Trabalhos Maçónicos à luz do dia, Pascoal Gomes participa ativamente na reconstrução deste Palácio, contribuindo com inúmeros recursos pessoais e materiais. Parte para Oriente Eterno em 18 de janeiro de 2000, como homem livre.

Não vivemos de memórias passadas, mas honramos o nosso passado e neste dia em que evocamos os 50 anos do 25 de abril, sobrelevo que cabe a nós maçons, mais do que nunca, a árdua, mas nobre tarefa de perpetuar esse legado, recordando hoje e sempre todos os que lutaram e continuam a lutar prol da liberdade.

Autor: Álvaro de Campos

sábado, 23 de março de 2024

A Espiritualidade e o Sentido da Vida

A busca pelo sentido da vida é uma questão filosófica que tem intrigado os pensadores ao longo da história. Na atualidade, a espiritualidade se apresenta como um caminho de autoconhecimento e transformação interior que permite ao ser humano transcender a sua natureza limitada e encontrar um sentido mais profundo na vida.

No entanto, a espiritualidade enfrenta desafios significativos. O mundo moderno é marcado pela fragmentação, pela superficialidade e pelo individualismo. Muitas pessoas vivem em um estado de desconexão, sentindo-se isoladas e desorientadas em relação ao mundo e a si mesmas. Nesse contexto, a espiritualidade pode ser vista como uma forma de reconectar com algo maior e de encontrar um propósito mais elevado na vida.

Um dos grandes pensadores que refletiu sobre o sentido da vida foi o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Ele afirmou que "O sentido da vida é encontrar o seu propósito. O homem deve ter uma razão para viver e um propósito a realizar". Essa afirmação de Frankl é muito relevante para a espiritualidade na atualidade, que busca encontrar um sentido mais profundo na vida e um propósito maior para a existência.

Mas como podemos buscar a espiritualidade em um mundo tão frenético e individualista? 
Uma das tendências para o futuro é a busca por práticas espirituais que possam ser realizadas no cotidiano, de forma simples e acessível. A meditação, por exemplo, é uma prática que vem ganhando espaço e pode ser realizada em poucos minutos por dia, em qualquer lugar. Além disso, a procura por valores como a empatia, a compaixão e a solidariedade, pode ser vista como uma forma de cultivar a espiritualidade no cotidiano.

Outra tendência é a busca por uma espiritualidade inclusiva, que respeite as diferentes tradições espirituais e as diferentes formas de buscar o sentido da vida. Essa abordagem inclusiva e aberta pode ser uma forma de encontrar um senso de unidade e de propósito comum, em um mundo cada vez mais complexo e interconectado.

Além disso, a espiritualidade pode ser vista como uma forma de enfrentar os desafios éticos e morais que enfrentamos hoje. O mundo moderno é marcado pela complexidade e pelas contradições, com avanços tecnológicos que trazem benefícios inegáveis, mas também desafios éticos e morais. A espiritualidade pode ser uma fonte de orientação nesse contexto, ajudando as pessoas a tomar decisões mais éticas e a construir uma sociedade mais justa e equilibrada.

No entanto, para que a espiritualidade possa desempenhar esse papel, é preciso que ela esteja presente na vida cotidiana das pessoas e que seja acessível a todos. Isso significa que deve ser vista como algo que pode ser vivenciado em qualquer contexto, e não apenas em momentos de culto ou de prática religiosa, deve ser vista como algo que pode ser conseguido por pessoas de diferentes origens e culturas, sem discriminação ou exclusão.

Sinto que a espiritualidade tem um papel fundamental na atualidade, ajudando as pessoas a encontrar um sentido mais profundo na vida e a enfrentar os desafios éticos e morais do mundo moderno. Para que a espiritualidade possa cumprir esse papel, é preciso que ela seja inclusiva, aberta e acessível a todos, e que esteja presente na vida cotidiana das pessoas. 

Como afirmou Viktor Frankl, o sentido da vida é encontrar o seu propósito, e a espiritualidade pode ser um caminho para alcançar esse objetivo.
É importante que cultivemos a espiritualidade em nossas vidas, buscando práticas que nos possam ajudar a reconectar com algo maior e a encontrar um propósito mais elevado. A meditação, a reflexão e a busca por valores como a empatia e a solidariedade podem ser formas de cultivar a espiritualidade no cotidiano. Além disso, é importante que sejamos críticos e reflexivos em relação aos valores e práticas que não contribuem para a construção de um mundo mais justo e equilibrado.

A busca pela espiritualidade não deve ser vista como algo que nos afasta do mundo, mas sim como uma forma de nos conectarmos com ele de forma mais profunda e significativa. Pode ser uma fonte de esperança e de inspiração em um mundo que muitas vezes parece caótico e sem sentido. Ela nos pode ajudar a encontrar um propósito mais elevado na vida e a construir um mundo mais justo e equilibrado para todos.

Portanto, procuremos práticas e valores que nos permitam encontrar um sentido mais profundo na vida e contribuir para a construção de um mundo melhor. Citando mais uma vez Viktor Frankl, "O que dá sentido à vida é a responsabilidade. Em cada situação, temos uma responsabilidade a cumprir, seja para com nós mesmos, seja para com o mundo". Que possamos assumir essa responsabilidade e buscar a espiritualidade como um caminho para encontrar o nosso propósito e contribuir para um mundo mais justo e equilibrado.

Autor: Viktor Frankl

sábado, 17 de fevereiro de 2024

A Tolerência vs a Liberdade vs o Status Quo

O tema da tolerância tem sido um tema central na nossa sociedade, embora nem sempre pelas razões certas, pois parece que o que se procura é, mais do que obter realmente uma aceitação das diferenças ou do direito à diferença, uma imposição administrativa dessas diferenças ou desses “direitos”.

Vale a pena começar por perceber qual é, em língua portuguesa, o significado, ou significados, da palavra Tolerância. Retirando então os diversos significados relacionados com a Medicina ou a Engenharia, temos então que a Tolerância pode ser:

- ato de admitir sem reação agressiva ou defensiva;

- atitude que consiste em deixar aos outros a liberdade de exprimirem opiniões divergentes e de atuarem em conformidade com tais opiniões; aceitação.

Ora esta última definição faz menção a um outro direito que, sem dúvida, está intimamente ligado à Tolerância, que é a Liberdade. Achei, por isso, que seria igualmente interessante olhar para a definição de liberdade, neste contexto, tendo selecionado os seguintes significados:

direito que qualquer cidadão tem de agir sem coerção ou impedimento, segundo a sua vontade, desde que dentro dos limites da lei;

- capacidade própria do ser humano de escolher de forma autónoma, segundo motivos definidos pela sua consciência; ou ainda,

- garantia que todos os cidadãos têm de não serem impedidos do exercício dos seus direitos, exceto nos casos determinados pela lei.

E é aqui que as coisas se tornam mais complicadas, pois se por um lado qualquer pessoa tem o direito e a liberdade de manifestar a sua forma diferente de estar perante os outros e perante a sociedade, não é menos verdade que quem fica perante essa manifestação de diferença pode igualmente ver a sua liberdade invadida e diminuída se essa manifestação de diferença de alguma forma o perturbar.

Dando exemplos concretos. Se eu me sentir impressionado por ver alguém profusamente coberto de piercings no rosto e com um alfinete de ama de grandes dimensões espetado na bochecha, vou ter uma atitude de afastamento e de eventual repulsa perante essa pessoa, porque fico impressionado, arrepiado, o que lhe quiserem chamar. E agora? Estou a ser intolerante perante uma pessoa que gosta de marcar a diferença mutilando-se, ou tenho a liberdade de me sentir incomodado e impressionado com isso, podendo chegar a manifestar-lhe esse sentimento? É que se o fizer essa pessoa vai dizer que sou intolerante, entre outras coisas.

Um outro exemplo diferente que aconteceu realmente comigo: há uns anos atrás estava à espera de ser atendido numa loja do cidadão quando vejo um indivíduo entrar com uma t-shirt que tinha escrito “Jesus is a cunt”. É claro que me senti profundamente incomodado com aquela frase e interpelei o indivíduo em causa. Onde se aplica a tolerância aqui?

A questão crucial é: teremos nós de aceitar todas as diferenças e afirmações que cada um quiser assumir (de aspeto, de sexualidade, de vestimenta, de abuso de substâncias) só porque a sociedade nos obriga a ser tolerantes em nome do direito à diversidade? E o meu direito pessoal a querer ser diferente dessas pessoas? Não estaremos cada vez mais a caminho de uma ditadura das minorias, em que os governos decretam leis sem o mínimo de lógica, só para que esses grupos, normalmente barulhentos e persistentes na contestação, deixem de se manifestar e não causem perturbação na sociedade?

Mas vamos um pouco mais além e vejamos onde chega esse impingimento da diferença e, para muitos, do mau gosto e do ridículo. Vamos falar um pouco de Cultura.

Durante séculos vários artistas enriqueceram a sociedade ocidental com os seu trabalhos de beleza surpreendente, como a Mona Lisa de da Vinci, a Pietá de Michelangelo, a Ronda Noturna de Rembrandt, o Pensador de Rodin, obras que nos inspiraram, elevaram e nos terão levado até a alguma introspeção. E isto porque estes e outros artistas procuraram os mais altos níveis de excelência, melhorando os ensinamentos dos seus mestres e aspirando à mais alta qualidade possível para os seus trabalhos. E o resultado disso é que ainda hoje, tantos séculos após, ainda nos deslumbramos com alguns desses trabalhos.

Mas ao longo do século XX algo aconteceu. O profundo, o inspirador e o belo foram substituídos pelo novo, o diferente e o feio. Hoje, o ridículo, o sem sentido e o puramente ofensivo é tido como o melhor da arte moderna. Lembro-me, por exemplo de uma exposição subordinada ao tema “O Cu é Lindo” que esteve em exposição há uns anos no Centro Cultural de Belém, só para dar um exemplo. Michelangelo esculpiu a sua estátua de David a partir de uma única pedra. Em contrapartida o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles tem exposta uma pedra com 340 toneladas como sendo uma obra de arte. E não esqueçamos a Petra, do escultor alemão Marcel Walldorf que representa uma mulher polícia de choque agachada a urinar, com direito a poça de urina e tudo, que ganhou um prémio da Academia de Belas artes de Dresden em 2011. Estes são alguns exemplos de como os nossos padrões de exigência e qualidade baixaram. Mas como é que isto aconteceu? Como é que a busca milenar da perfeição artística e da excelência se perdeu?

Na verdade foi forçada a desaparecer. No final do século XIX um grupo denominado de Impressionistas rebelou-se contra a Academia Francesa de Belas Artes, que seguia os padrões clássicos. Qualquer que fosse a sua intenção, estes novos modernistas lançaram as sementes do relativismo estético: “A beleza está nos olhos de quem vê”. De acordo com esta corrente, na pintura as cores e tonalidades não devem ser obtidas pela mistura das tintas na paleta do pintor. É o observador que, ao admirar a pintura, combina as várias cores, obtendo o resultado final. A mistura deixa, portanto, de ser técnica para ser óptica. Na escultura a obra inacabada é o exemplo ideal do processo criativo do artista. Ora se alguns dos primeiros seguidores do impressionismo produziram trabalhos de grande beleza, como Monet, Degas ou Renoir, a cada nova geração os padrões de qualidade foram baixando até deixarem de existir.

Tudo o que restou foi a arte reduzida à expressão pessoal. O historiador de arte Jakob Rosenberg disse uma vez que “A qualidade na arte não é meramente uma questão de opinião pessoal, mas em grande parte analisável objetivamente”. Eu estou de acordo. Mas a ideia de um padrão universal na arte é atualmente muito contestado, quando não ridicularizada abertamente. Mas sem padrões estéticos não é possível determinar a qualidade ou a inferioridade.

Muitos dos artistas da atualidade apenas usam a sua “arte” para fazer declarações, frequentemente sem qualquer outra intenção a não ser chocar. Os artistas da antiguidade também faziam afirmações através do seus trabalhos, mas nunca à custa da excelência visual do seu trabalho. Mas não são os artistas os culpados por este estado de coisas. A culpa é sobretudo da chamada “Comunidade Artística”: os curadores de museus, proprietários de galerias e os críticos, que encorajam e financiam a criação deste lixo artístico. São eles os “reis nus” da arte, pois quem mais gastaria 10 milhões de dólares numa pedra de 340 toneladas e lhe chamaria arte?

E é aqui que voltamos de novo ao tema da tolerância. Porque é que temos de ser vítimas de todo este mau gosto? Não temos! Ao não frequentar estas exposições, ao não comprar ou promover estas obras estamos a expressar a nossa opinião, pois uma galeria de arte é um negócio como qualquer outro e a continuidade de um museu também assenta nas receitas que obtém dos seus visitantes. Se o produto não vender deixa de ser produzido. E também podemos fazer pressão para que as escolas ensinem padrões de qualidade visual que se perderam por terem sido abafados por este nova vaga de modernismo. No entanto esta minoria da “Comunidade Artística” tenta condicionar-nos e obrigar-nos a mudar os nossos gostos e os nossos padrões estéticos ao ponto de cairmos no ridículo por não apreciarmos uma peça de arte contemporânea que esteja na berra. Mais uma vez uma minoria está a condicionar a liberdade dos demais.

Mas não deixo de concordar que o Status Quo, ou o Establishment, podem também eles ser nefastos para a nossa perceção do que é certo, aceitável e defensável, versus o que devemos evitar ou condenar. E num vídeo recentemente partilhado no nosso grupo de whatsapp, retirado de um episódio de uma série da RTP, pude ver isso bastante bem explicado e demonstrado de uma forma inequívoca. Para quem não se lembre, a cena passava-se numa escola e o professor falava de três candidatos a uma eleição, perguntando aos alunos quem escolheriam:

- o primeiro candidato está parcialmente paralisado com poliomielite, tem hipertensão, anemia e uma série de outras doenças graves. Mas segue a sua ideologia e consulta astrólogos sobre a sua política. Engana a mulher, fuma muito e bebe demasiados martinis;

- o segundo tem peso a mais, já perdeu três eleições, sofre de depressão, teve dois enfartes, é irascível e fuma charutos sem parar. À noite quando regressa a casa bebe grandes quantidades de champanhe, conhaque, Porto e whisky, e toma dois comprimidos para dormir;

 - o terceiro é um herói de guerra muito condecorado, trata as mulheres com respeito, gosta de animais, nunca fumou e bebe uma cerveja em raras ocasiões.

Obviamente que todos os alunos votavam no terceiro candidato, não sabendo eles que estariam a rejeitar Franklin D. Roosevelt (o primeiro candidato) e Winston Churchill (o segundo), ambos estadistas marcantes, estando a colocar o seu voto em Hitler.

Sabemos que o mundo nunca é como esperamos, mas isso é algo que temos de aceitar. A veleidade que os humanos têm de que podem mudar o mundo não passa disso mesmo, uma boa intenção utópica, especialmente se a nossa forma de o fazer é chocando os outros e obrigando-os a aceitar tudo o que fazemos, pois estamos eventualmente a tirar-lhes também a sua liberdade de serem como são. Há uma frase feita que diz “Todos Iguais, Todos Diferentes”, mas o facto de sermos diferentes não implica que tentemos impor aos outros essas diferenças, que tentemos quebrar regras, em nome de uma suposta liberdade pessoal que todos devem ser obrigados a respeitar.

A ausência de luz produz as trevas, a ausência de calor causará o frio, sem o bem instalar-se-á o mal, sem amor grassará o ódio e sem regras passaremos a viver o caos.

Autor: António Egas Moniz