sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Os porquês de uma escolha

Fazer parte de uma organização como a Maçonaria implica alguns compromissos assumidos livremente pelos maçons. Um dos primeiros é não revelar a identidade dos seus Irmãos.
Poderá haver quem pense que isso seja um sinal de que na Maçonaria se levem a cabo actos sinistros ou ilegais. Pelo contrário, a Maçonaria é uma escola de aperfeiçoamento dos seus membros para melhor servirem a sociedade em que estão inseridos e de uma forma geral toda a humanidade. Os valores pelos quais os maçons se batem são os mais belos que o homem alguma vez criou. Queremos um mundo onde reinem a Paz e a Justiça para todos, onde a Tolerância e a Liberdade sejam coisas banais e onde a Fraternidade e a Igualdade façam parte integrante do quotidiano. Ansiamos por um mundo onde não haja ninguém a morrer de fome, onde a tortura seja coisa do passado e a cultura esteja ao alcance de todas as pessoas.
Se tivéssemos algo de sinistro a esconder, os mais altos responsáveis por cada uma das Obediências não iriam dar entrevistas aos órgãos de informação.
O que se passa é que a Maçonaria não pretende ser iluminada pelos holofotes nem ser capa de revistas. Os maçons procuram trabalhar em sossego no aperfeiçoamento de si mesmos e ajudar, sem alaridos, à construção de um mundo melhor. Não é fácil estudar, meditar e trocar ideias no meio da confusão.
Há ainda outro aspecto que deve ser sublinhado. Ao longo da sua história, a Maçonaria deve ser das organizações mais caluniadas e perseguidas por todos os inimigos da liberdade de pensamento. Em Portugal essas perseguições foram não só frequentes como de grande violência. Por esse motivo, em muita gente há ainda um forte preconceito antimaçónico, ou no mínimo alguma desconfiança em relação aos maçons. Embora tal não tenha o menor fundamento, temos de ser compreensivos.
Nestas condições, o uso de um nome simbólico na assinatura de textos parece-me não só conveniente como perfeitamente lógico.

Quando se me colocou a questão da escolha de um nome simbólico, senti-me dividido. Poderia optar por um nome sem qualquer significado especial, do género "Zé das Botas". Mas achei que poderia aproveitar para homenagear alguém que me tivesse influenciado pessoalmente ou cuja personalidade tenha sido marcante para a sociedade humana. Pensei em vários nomes, todos dignos dessa homenagem. Por fim escolhi o de alguém que muito me inspirou em vários aspectos da minha vida: "Carl Sagan".
Não faço a menor ideia se Sagan pertenceu à Maçonaria, mas por tudo quanto ouvi dito por ele e pelo que está escrito nas suas numerosas obras, tenho a certeza de que os seus ideais humanistas em tudo se identificam com os da nossa Augusta Ordem.
Sempre gostei de ver o céu, apreciar o brilho das estrelas, observar a estranha dança dos planetas ao longo do ano. Mas só depois de ver o «Cosmos» na televisão me apercebi de como o Universo é imenso em beleza e em extensão, de como o seu estudo é fascinante e acessível a qualquer pessoa e como o infimamente pequeno está tão ligado ao infimamente grande.
Mas Sagan fez mais do que isso nas suas muitas obras. Tanto nos livros como na série televisiva, não se limitou a levar-nos consigo de visita a galáxias distantes e a planetas desconhecidos a bordo da sua “nave da imaginação”. Sagan fê-lo sempre de forma a integrar os diversos ramos do conhecimento, da astrofísica à neurologia, da história à botânica, da geologia à bioquímica, da arqueologia à psicologia. Ou seja, demonstrou claramente que os muitos ramos da ciência devem comunicar entre si.
Numa época em que a todo o momento se poderia desencadear o inferno nuclear, bateu-se contra os «falcões», fazendo ver a quem tivesse um mínimo de inteligência que numa guerra nuclear só há vencidos. Em plena Guerra-Fria, apesar de todos os obstáculos levantados por ambos os lados da «cortina de ferro», associou-se a cientistas soviéticos e publicou obras conjuntas.
Nunca o vi assumir posições facciosas em termos de ideologia ou de religião. Pelo contrário, é fácil encontrar nas suas obras um constante apelo à tolerância a ao bom senso. No seu livro «Um Mundo Infestado de Demónios» mostra bem o quanto o fanatismo e a ignorância grassam no mundo e como estamos longe de os conseguir erradicar. Era bom que todas as pessoas lessem esse livro notável.
E que dizer da beleza que nos transmite em «Sombras dos Antepassados Esquecidos», ou o realismo do seu romance de ficção (realmente) científica «Contacto»?
O problema que se me levanta não é se Sagan merece ser homenageado. O meu receio é não estar à altura de o homenagear.

Autor: Carl Sagan (gentil colaboração de Irmão de outra obediência maçónica)

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