terça-feira, 23 de setembro de 2008

O herói da Rotunda

Se observarmos com atenção esta figura política que os historiadores parecem esquecer, não podemos deixar de sentir uma espécie de embaraço misturado com muita perplexidade, já que se mostra contraditório e por vezes mesmo paradoxal no destino e na alma do homem que fundou a República, que foi o braço armado que, na hora decisiva em que todos desanimavam e alguns já desertavam, fez pender a balança da História para o campo dos revoltosos e, no reduzido acampamento da Rotunda, com uns quantos sargentos, praças e civis, verdadeiramente arrebatou a vitória nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910. Contraditório destino, estranha actuação a deste marinheiro da administração naval que vence no campo militar, quando os verdadeiros combatentes se suicidam (como o almirante Cândido dos Reis, julgando tudo perdido) ou se retiram (como os oficiais que decidem abandonar as barricadas do Marquês de Pombal, na manhã de 4, por considerarem que a Revolução falhara)!
Simples comissário naval, com 35 anos na altura dos eventos revolucionários, toma assim a seu cargo a estratégia e o plano decisivo, donde resultaria por fim o triunfo da República, sendo ele, em terra, e Mendes Cabeçadas, no mar, os que de facto fizeram vingar o 5 de Outubro de 1910. E não era combatente, mas um administrador, um simples burocrata da Marinha… Depois, tendo ele sido quem fundou a República, nunca se sentiu bem dentro dela e não parou de conspirar contra todos os que se aproveitaram da Revolução.
Outro paradoxo ainda está na acção política e jornalística seguida por Machado Santos depois do triunfo de 1910, fundando em Novembro desse ano, um jornal mantido, em parte, graças à pensão que a Assembleia lhe concede, o marinheiro Machado Santos converte-se em jornalista, revela dotes inesperados na sua nova actividade, serve-se da sua tribuna para, em obediência ao título do seu órgão, mostrar uma isenção que o inclina a criticar com especial virulência os homens e as formações partidárias que o carbonário nunca tolerou.
O antigo dirigente da Carbonária, o herói da Rotunda, viveu desconfortavelmente na República que ajudara a criar. Triunfante o regime republicano, a vida daquele que a fundara foi cheia de vicissitudes, eleito para as Constituintes como candidato por Lisboa, teve o desgosto de ser escolhido com a votação menos expressiva, o que já traduzia a enorme baixa de popularidade. Feito jornalista, dirigiu o Intrasigente, um jornal onde escreveram homens de talento como Cunha Leal, Humberto Ataíde. Tentou ainda criar um partido onde todos os portugueses se reconciliassem acima das divisões partidárias, a Federação Nacional Republicana. Deixou importantes depoimentos sobre a revolução – A Revolução Portuguesa, 1907-1910 (Lisboa, 1911) e A Ordem Pública (Lisboa, 1916).
Homem recto, coriáceo, intransigente, de grande lisura e integridade moral, um homem livre e de bons costumes, o comissário naval que deu o triunfo à revolução republicana passou pelo regime como um meteoro incandescente e contraditório, desfazendo-se por fim no sangue da noite ignóbil de 1921. O esquecimento a que, em geral, a historiografia portuguesa da República o tem votado, ocultam cuidadosamente as mazelas sobre tais figuras e adensam o halo de maldição sobre esta personalidade tão rica e complexa como a deste Machado Santos que quisemos evocar, passado o seu feito glorioso na Rotunda!

Autor: Júlio Verne - Baseado em Machado Santos e a Revolução de Outubro, História Crítica, Lisboa, 1980

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A carroça

Certa manhã, meu pai convidou-me a dar um passeio. Em dada altura deteve-se e, depois de um pequeno silêncio, perguntou-me:
- Além do cantar dos pássaros nas árvores, ouves mais alguma coisa? Apurei os ouvidos durante mais alguns segundos e respondi:
- Sim, oiço uma carroça.
- Isso mesmo – disse o meu pai. É uma carroça vazia.
Perguntei-lhe:
- Como sabes que está vazia, se ainda não a vimos?
- Ora – respondeu-me. É muito fácil saber que uma carroça vai vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia, mais barulho faz.
Tornei-me adulto e, até hoje, quando oiço uma pessoa a falar demais, a gritar, a intimidar, a tratar o próximo com grosseria, prepotente, a interromper as conversas de toda a gente e a querer demonstrar que é a dona da razão e da verdade absoluta, parece que ainda me ecoa nos ouvidos a voz do meu pai:
- Quanto mais a carroça está vazia, mais barulho faz.
E a sabedoria dessa voz, que o tempo não consegue esbater, junta-se ao conforto que sinto a partir do momento em que franqueei as colunas da nossa Augusta Ordem, por onde perpassam o silêncio sábio, a fraternidade, a tolerância no sentido da compreensão, a igualdade entre todos os Irmãos, a procura dos caminhos da verdade que antecipadamente sabemos não poder alcançar mas que porfiadamente perseguimos.

Conto simbólico por: Álvaro

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Casamento Maçónico

- Aqui, com os pés no Sol, minha rainha, com o braço direito te estendo o meu ramo duas vezes florido.
- Aqui, com os pés na Lua, meu rei, com o braço esquerdo te estendo o meu ramo duas vezes florido.
Pela estrela que nos ilumina e que o somos, pela pomba que nos despe o espírito velado e consciente, que do quatro florido na luz espelhado, animus / anima e nos projecta.
- Oh Lua, permite que se torne minha!
- Oh Sol, permite que eu o seja! Que caiam as convenções, que me dispa e me reveja na tua nudez, que a sombra dos dois uma só seja e assim exprima a nossa vigília consciente. Somos um na sombra negra, só o espírito nos une.
- Nossos corpos em Mercúrio mergulhados, como se mar fosse este amar de morrer, por morte não haver, o renascer.

Texto alusivo a um casamento maçónico por: Jónatas

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A Romã

Apesar de ser a única fruta relacionada a Maçonaria, a romã pouco é estudada. E, no entanto, revela-se uma verdadeira maravilha da natureza: por fora é esférica, mas por dentro é formada por blocos cúbicos, o que poderá ser passível de três interpretações distintas: contradição, dualidade ou complementaridade. Por mais que digamos que representam as Lojas, os Maçons, a fraternidade, um único propósito, a união, a prosperidade e a abundância, que são o adorno das Colunas, tudo isso soa a pouco, pois a simples observação da romã nos remete para profundas reflexões. Muitos consideram que o seu simbolismo é um legado judaico à nossa Ordem, porque antes mesmo de Salomão as usar para decorar o templo, já faziam parte dos adornos das vestes do sacerdote Aarão. Por outro lado, a romãzeira é a primeira planta a florescer e a frutificar após o inverno na Terra Prometida. No livro sagrado dos judeus – o Tora –, há a descrição das sete frutas que consagram Israel (trigo, azeitona, cevada, uva, figo, tâmara e romã). Para além disso, no dia 15 do mês de Shevát – que corresponde ao nosso 13 de Fevereiro –, os judeus comemoram-no com uma ritualística própria, em que são consumidas romãs e as outras frutas citadas. Talvez possamos, assim, com os olhos de Maçom, observar a romã e incorporar na nossa conduta os ensinamentos que ela nos transmite: apesar de diferentes, as sementes mantêm-se unidas "ombro a ombro"; apesar de terem vários ângulos (visões diferentes), apoiam-se em perfeita união; são centenas e, como nós, espalham-se pelos quatro cantos da terra. Como somos livres-pensadores e se os Irmãos permitirem, trago a interpretação do Talmud quanto ao simbolismo da romã: "Mesmo o mais vazio entre vocês estará cheio de boas acções, assim como uma romã está sempre cheia de sementes". Ou seja, não importa o tamanho (componente material) da romã: haverá sempre dentro dela dezenas de sementes (componente espiritual). No nosso caso, não importa o que somos, qual o nosso grau ou o nosso cargo (aspectos materiais): há dentro de nós dezenas de bons princípios (aspectos espirituais), que devem ser semeados e cultivados em nós próprios e na sociedade em que vivemos.

Autor: Álvaro