terça-feira, 12 de maio de 2009

a rosa - iniciação

todos nós. não importa quem, nem como. viemos de algum lugar distante e de diferentes formas caminhamos para outro espaço. perante isto, ou nos perdemos uns dos outros ou consideramos a hipótese de que nos vamos encontrar, lá, nesse lugar, com tudo o que temos para nos dar.

existem dois. apenas dois. momentos estruturantes nas nossas vidas. todos os outros são decorrentes destes: o nascimento e a morte. por equívoco, por cultura, educação ou por pura e simplesmente nunca termos pensado no assunto, julgamos que durante uma vida - esta a de hoje - só podemos nascer e morrer uma vez. também neste caso podemos pôr a hipótese de não ser assim. longe de conjecturas niilistas ou eternalistas, talvez possamos nascer e morrer a cada instante e assim estruturarmos o nosso ser a cada inspiração e expiração.

é necessário ter a consciência de que a cada nascimento e cada morte estamos sozinhos. sempre. por isso são os dois momentos fundadores da nossa existência. nascemos e morremos porque estamos sós. Krishnaji disse um dia que a verdade é uma estrada sem caminho. se nos mantivermos nessa estrada sem a ideia (o conceito) de estar a percorrer algo, caminhamos livres, a cada passo mais livres, e no que respeita ao nosso conhecimento dos outros vamos deixando-os também livres para o encontro, sem procura, da verdade.

na nossa estrada, tudo pode ser experimentado mas nem tudo tem de ser experimentado. é até uma impossibilidade física. tão simples como pensarmos que por mais que nos dedicássemos não conseguiríamos ler todos os livros do mundo, ouvir todos as musicas, escrever todos os poemas. temos de fazer escolhas e o único guia, mestre, lama, guru, swami, que podemos ter é aprender a nascer e a morrer.

observar ser juízo os nascimentos e as mortes do outro, dos muitos «outro» que connosco se cruzam, é um ensinamento fundamental. e, para começar, observar o outro é saber que reconhecer sinais nele, o principal é saber que é preciso amar esse outro, para além da atracção ou da repulsa. não nos escondermos no acto de amar. essencialmente não amar esperando que sejamos amados. porque, é tão imensamente simples, amando somos já amados.

no entanto, é evidente, que necessitamos de vários tipos de amor. e assim é preciso não ter medo de aprender a conduzir o outro a nos amar como nós o amamos. sermos nós a dar o primeiro passo e dar tempo ao outro para que também ele aprenda a necessidade de amar, sem culpa, apego ou desespero. amar alguém é libertá-lo e ao mesmo tempo não o deixar. voltar de novo. ser uma morada presente para aqueles, todos e para o um, que amamos. nascer e morrer para isso.

eis o trabalho de uma vida. não nos deixemos enredar pela ideia de que vamos ter muitas vidas para isto (ainda que as possamos ter) e deixar para amanhã o que podemos fazer hoje. ou ainda, pensar que a nossa alma velará pelo amor que podemos dispensar. é uma responsabilidade nossa. hora a hora. dia a dia.

como prática, pensemos que nascemos a cada inspiração e que morremos a cada expiração. dediquemos a isso a nossa capacidade de concentração. com o tempo e com um trabalho constante esta realidade tornar-se-à clara para nós. a esta aprendizagem talvez possamos chamar iniciação.

Autor: Hugo Pratt (o facto de o texto estar escrito exclusivamente em minúsculas é propositado)

1 comentário:

Anónimo disse...

soberbo!