terça-feira, 16 de março de 2010

Voltaire - nome simbólico

Algures durante a minha adolescência confrontei-me um dia com a palavra DEMOCRACIA. Perguntando a meu Pai o que ela significava, citou-me de imediato a seguinte frase famosa, atribuída a Voltaire : “Posso não concordar com nenhuma das tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de as dizer." De então para cá, tenho pautado sempre o convívio com os meus Amigos e com o Mundo que me rodeia por estas palavras simples, mas com uma força enorme na construção do Mundo em que vivemos.

Fui mais longe, então, procurando desvendar algo mais sobre a Vida e Obra de Voltaire – enquanto Escritor, Pensador e Filósofo – até aos anos mais recentes em que descobri uma nova faceta do seu Pensamento: a sua condição de Maçom. Mas Voltaire, nascido François Marie Arouet foi ainda um dos principais construtores do moderno conceito de Democracia, base da sã convivência entre Povos e Nações, gerando os ideais nobres da Revolução Francesa, da Independência Americana e da Independência do Brasil. Foi também figura proeminente do Iluminismo emergente no século XVIII e defensor intransigente da liberdade Religiosa e … dos tão consagrados Direitos do Homem !!!
As linhas que se seguem têm uma evolução cronológica e sintética, salvaguardando contudo as diversas fases do Pensamento e da Obra de Voltaire. Não esqueci nestas linhas a sua ligação afectiva a Portugal, lembrada a propósito do Terramoto de Lisboa em 1755 e a sua condição de eterno Maçom, porém formalmente assumida muito próximo da sua morte.

Em 21/11/1694, nasceu em Paris no seio de uma família rica e bem relacionada na corte francesa, François Marie Arouet, aliás Voltaire. Órfão de mãe muito jovem, seu pai internou-o muito jovem num dos mais célebres colégios jesuítas de França, onde foi companheiro de futuros governantes e oposicionistas do regime anterior à Revolução Francesa. Aluno brilhante e precoce manifestou, desde então grande habilidade e agilidade de pensamento. O abade de Châteuneuf, seu padrinho influenciou de imediato a sua formação espiritual, apresentando-o também a Madame Ninon de Lanclos, cortesã rica e com larga fortuna, que lhe haveria de oferecer toda a sua biblioteca de milhares de livros. Por outro lado, Madame Ninon de Lanclos introduziu Voltaire na associação de Humanistas cépticos - a “Société du Temple”, constituída por homens livres e pensadores que se juntavam no “Templo” sob a presidência de Filipe de Vendôme, grande prior dos Cavaleiros de Malta em França, sucessora dos Templários após a sua dissolução. Decidido a enveredar pelas Letras, Voltaire abandonou aos 15 anos o colégio, desagradando por isso a seu pais que insistiu na vontade de o fazer mestre em Direito . Falhando por completo os estudos jurídicos, o pai envia-o para Haia como secretário do embaixador francês na Holanda, marquês de Châteuneuf, irmão do abade. A sua mente brilhante arde incessantemente em novas ideias, fazendo-o aproximar-se de novo de grupos de livres-pensadores que por todo o lado começam a nascer por Paris, nas vésperas da Revolução Francesa.
Aos 26 anos é preso pela primeira vez na Bastilha durante onze meses, adoptando então o pseudónimo VOLTAIRE e escreveu a sua primeira obra literária, a tragédia Édipo. A partir de então, as suas obras passam a revelar uma preocupação crescente com a Liberdade e a Tolerância Religiosa, agradando por isso a muitos franceses divididos por lutas e desavenças de cariz religioso. Um conflito com o Conde de Rohan, com quem se bate em duelo, por causa de uma dama disputada por ambos, obriga-o a nova detenção na Bastilha por duas semanas e ao exílio em Inglaterra, onde começa uma nova Vida e assimila novos conceitos de Democracia e Liberdade, determinantes no seu futuro.

Conhece o rei da Inglaterra e passa a conviver com intelectuais e cientistas como Newton e Locke. Escreve as suas Cartas Filosóficas. A sua obsessão passa a ser, então, a Liberdade de Pensamento e de Expressão, criticando asperamente o obscurantismo e a opressão que se vivia a França. Nesta altura da sua Vida, Voltaire reconhece “a dúvida como um direito humano natural em confronto com a crença”. Por outro lado e influenciado pelos ensinamentos ingleses, desafia os franceses a “Pensar por si próprios” e proclama a famosa frase “Posso não concordar com nenhuma das tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de as dizer."
Em 1729 regressa a França, publicando então múltiplos trabalhos - tragédia, historiografia, filosofia - preparados enquanto vivera em Inglaterra.

Uma vez mais é perseguido por criticar a política e as instituições francesas e a falta de tolerância do regime. Voltaire foge para a Lorena onde vai viver com a Marquesa de Châtelet em Cyrey-sur-Blaise. Durante dez anos a Marquesa de Châtelet impediu Voltaire de publicar os seus escritos ofensivos do Rei e da Monarquia francesa, facto que lhe permitiu viver tranquilamente e sem perseguições. Por outro lado, permitiu-lhe estabelecer contactos com intelectuais de toda a Europa, assim como com movimentos aderentes aos novos ventos da Revolução Francesa, que começavam a soprar. Nesta fase da sua Vida, Voltaire dedicou-se principalmente às questões da Ética, da Metafísica e da Física de Newton, mas também à História, à Filosofia, à Poesia e ao Teatro, escrevendo mais de vinte obras. Sobre a Ética como factor primordial nas relações entre os Homens, Voltaire afirma que “o homem é um ser livre responsável pelos seus próprios actos e com consciência capaz de os julgar”. Aos que o interrogam sobre a sua profissão responde apenas : “o meu ofício é dizer o que penso”.

E diz cada vez mais o que pensa, já não apenas em França, mas por toda a Europa, passando a corresponder-se com Reis, Chefes de Estado e Ministros e com grandes vultos das Artes, Letras e Ciências do Velho Continente, num total de mais de 8.000 cartas. Em 1746, é eleito membro da Academia Nacional Francesa que lhe reconhece, finalmente, o estatuto de grande Mestre das Letras e do Pensamento e onde priva com o Cardeal Richelieu e Montesquieu. Com a morte inesperada da Marquesa de Châtelet em 1751, vai de novo viver para Paris até que Frederico da Prússia o convence a ir viver para Berlim a expensas da Casa Imperial.
Os primeiros contactos com a Maçonaria Europeia iniciam-se nesta altura, salientando-se a correspondência mantida sobre esta Augusta Ordem com Frederico da Prússia e com o rei Gustavo da Suécia.
A sua presença em Berlim é de apenas três anos, já que entrando em litígio com o poder prussiano e criticando o seu autoritarismo, é expulso da Prússia sem que, por outro lado, possa regressar a França.

Aos sessenta anos Voltaire pede para viver no Cantão de Genebra na Suíça, situação que lhe foi recusada por não lhe ser permitido expressar as suas ideias e representar as suas peças e a edição das suas obras. Triste e desgostoso com a proibição Suíça, adquiriu uma propriedade em Ferney, do lado francês da fronteira, a muito poucos quilómetros de Genebra.
Nesta localidade do Sudeste da França, vai Voltaire viver os últimos vinte anos da sua existência, porventura os seus anos mais fecundos e gloriosos. Marcando esta etapa da sua Vida uma clara divisão entre o Homem de Letras e o Político, faz questão de referir que o poder político está em Paris, enquanto o poder Intelectual residia agora em Ferney. Nos anos que se seguiram, passaram por Ferney os maiores intelectuais, cientistas e políticos da época para com Voltaire dialogarem e aprenderem. Mas também perseguidos e espoliados foram ao seu encontro, construindo Voltaire habitações e a todos proporcionando condições de trabalho construindo-lhes pequenas fábricas, oficinas e outras actividades. De pequena vila Ferney transformou-se em poucos anos num centro de peregrinação e de cultura.

Às 9.20 horas da manhã de 1 de Novembro de 1755, Lisboa foi praticamente arrasada por um terramoto seguido de um maremoto com ondas de 20 metros. A Europa ficou consternada com a Catástrofe e Voltaire, em especial, escreveu um belo Poema sobre a mesma : “Poema sobre o Desastre De Lisboa”. Mas as relações de Voltaire com Portugal e com a cultura portuguesa não se resumem unicamente ao Terramoto de Lisboa de 1755, cujo grau de destruição surpreendeu toda a Europa. Voltaire que de resto lia com facilidade a língua portuguesa, refere-se na sua obra “Essai sur les Moeurs” às Descobertas, Navegações e Explorações Portuguesas de uma forma elogiosa, dizendo que Portugal “começou a merecer uma glória tão duradoira quanto o Universo, através das trocas comerciais entre as nações, que foi bem depressa fruto das suas descobertas” .
O esplendor universal de Portugal, que atribui às riquezas vindas do Brasil foi, contudo, breve devido, diz Voltaire na obra anteriormente citada, ao facto de “essas mesmas riquezas não terem sido equitativamente distribuídas”, e comenta, com profunda e contundente ironia: “neste país o rei é rico e o povo é pobre, concluindo, não sem alguma verdade, que foi para Inglaterra que os portugueses trabalharam na América”. Muitas outras referências são feitas por Voltaire a Portugal, quer no “Essai sur les Moeurs”, quer na sua muita correspondência. No Poema sobre o desastre de Lisboa ataca os argumentos contraditórios dos optimistas. A Polémica com Rousseau e o “Cândido” constituem o termo da sua evolução pelo que poderíamos chamar de pessimismo viril, porventura temperado pela ideia de que a civilização e o progresso asseguram a felicidade do homem. Os acontecimentos da Europa e, neste caso concreto, o terramoto de Lisboa constituem a sua grande fonte de argumentos contra, principalmente, as ideias de Leibniz sobre a Providência. A sua reacção não deduz uma justificação do mal, mas antes se opõe às explicações unilaterais do Mundo.

No Poema sobre o desastre de Lisboa examina e refuta o axioma “Tudo está bem”.
No Dia de Todos os Santos, homens, mulheres e crianças oravam nas inúmeras igrejas de Lisboa no momento em que se deu o terramoto que matou a maior parte deles. Os filósofos enganados procuravam, em paz, as causas da catástrofe, - e Voltaire comenta que os devotos fariam melhor se chorassem.
Tinha na perspicácia a sua melhor qualidade, que usou ao longo da vida para se tornar num conceituado filósofo, escritor e ensaísta. Tinha já mais de duas dezenas de obras publicadas quando em 1755 as suas mais profundas concepções filosóficas sofreram um abalo proporcional ao sismo que, então, atingiu Portugal.
Com a catástrofe portuguesa, Voltaire viu ruir todas as suas concepções do Mundo vigentes à época, pois considerava que tal fenómeno jamais poderia ter ocorrido se a Terra fosse, como até esse momento se acreditava cegamente, uma mera criação divina, regulada pelos princípios de ordem e harmonia.
Voltaire responde à desilusão com a mesma força com que esta se apoderara dele. Para isso usa “Cândido” (1759), uma comédia romântica que abre uma tensa controvérsia e qual Voltaire preferiu assinar com o pseudónimo “Monsieur le docteur Ralph” (Senhor Doutor Ralph). A Igreja Católica é o principal alvo da obra, através da qual o filósofo francês demonstra com humor que, após o terramoto que assolou Lisboa, só mesmo alguém muito ingénuo, muito cândido, poderia continuar a acreditar que vivia num mundo de bem, regido pela bondade e misericórdia de Deus.
Voltaire foi iniciado na Maçonaria no dia 7 de Fevereiro de 1778, numa das cerimônias mais brilhantes da história da maçonaria mundial, na Loja Les Neuf Soeurs de Paris. Aos 84 anos, Voltaire ingressou no Templo apoiado no braço de Benjamin Franklin, embaixador dos EUA na França. A sessão foi dirigida pelo Venerável Mestre Lalande na presença de 250 irmãos.
O Irmão Voltaire morreu três meses depois.
Não teve tempo de ficar dizendo em Loja, com o peito estufado de vaidade, quantos anos ele tinha de Maçonaria; mesmo se pudesse, ele não o faria, pois conhecia o significado do tempo e o valor da sabedoria.

Autor: Voltaire

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