terça-feira, 29 de novembro de 2011

Sucedeu

O que a seguir vos relato é inteiramente verdade. Só não importa onde ocorreu, porque a Maçonaria é Universal. Fica o exemplo. 

Reinava profundo silêncio no Templo; era noite de Iniciação e tinha-se acabado de dar a Luz a um profano. Os Irmãos tomavam assento nas suas colunas quando uma voz forte se faz ouvir e um Irmão, de pé, pede a palavra ao VM fora da altura convencionada para tal. Todavia, face ao tom da voz e ao porte assumido e pensando que se tratava de um caso fortuito de indisposição, aliás não incomum em sessões prolongadas, o VM concede-lha. 

“V M”, disse o Irmão se tinha colocado de pé, “permite-me cobrir o Templo, uma vez que não posso resistir por mais tempo à presença deste profano. Separa-nos um facto da vida que, quando ocorreu, prometi vingá-lo, se possível com a morte; mas tive a sorte de me serenar a tempo e a sua ausência também me o impediu. Mas, no momento em que o vejo chegar a este sagrado recinto, não posso resistir ao veemente desejo de me afastar imediatamente da sua presença”. 

“Senhor”, interrompeu o recém-iniciado, dirigindo-se ao VM. “Sou eu quem deve ir-se embora e rogo-lhe que me permita sair. 
O VM, com a serenidade própria que nunca deve abandonar o bom Maçom, perguntou ao seu Irmão de Oficina se era tão grave e tão profundo o assunto que o levava a abandonar o Templo, ao que este respondeu: “Serei breve, VM. Há alguns anos, um filho meu, gravemente doente, foi assistido por um médico mas morreu, na sequência de uma prescrição errada de medicamentos que tomou. Esse médico é o homem que hoje se inicia e, para não perturbar a cerimónia, prefiro abandonar o Templo. 

O silêncio de morte e a emoção contida que tinha invadido os presentes foram interrompidos pelo recém-iniciado que, com voz trémula e dorida, explicou: “Senhor, durante os meus anos de estudo tive um companheiro de aula, mais do que um amigo, quase um irmão; saíamos quase sempre juntos e fazíamos anos no mesmo dia. Já eu tinha tirado o curso quando soube que tinha ficado doente. Acudi imediatamente para lhe dar consolo e para o atender. Coloquei todo o meu esforço, todo o meu carinho e todas as minhas energias a tempo inteiro para o aliviar das suas dores e para acelerar a sua cura. Desgraçadamente, tudo saía ao contrário. A doença tornava-se mais grave a cada dia e, possivelmente pelo empenho em restabelecê-lo, cometi um erro. O meu querido amigo, o meu irmão de alma, morreu. Era nobre e generoso como poucos, inteligente e bom. Eu, senhor, angustiado pela dor, com a alma e com o coração afligidos até ao mais íntimo pela perda irreparável deste tão querido irmão, perdi a motivação para tudo o mais e passei a viver fechado em casa. Destroçado e decadente, acabei por ficar doente e sem poder dedicar-me a qualquer tarefa profissional. Vendo que a minha vida se tornava impossível ao conviver com os amigos comuns e que não podia dedicar-me à minha profissão, fui para o estrangeiro. Ali vivi alguns anos, que, todavia, não tiveram a capacidade de curar esta profunda ferida que deixou na minha existência a morte daquele companheiro, o filho deste digno senhor, a quem publicamente peço que me perdoe. A minha culpa foi inocente. O seu pai quis a minha vida. Pode dispor dela quando quiser. Compreendo a sua dor, porque a minha também foi horrível. 

O Irmão da Oficina, surpreendido, exclamou: “VM, as minhas forças como homem e como pai abandonam-me. Só me resta, como Maçom, suplicar-vos que me permitis ir à coluna para perdoar ao recém-iniciado.” O VM assim o permitiu. 

Uma vez entre colunas, ao lado do iniciado, disse-lhe: “Nunca pensei olhar a tua cara frente a frente, mas tocaste o íntimo do meu coração, que te perdoa neste Templo sagrado. Compreendo que sofreste. São coisas do destino. Irremediáveis. Mas eu, que tanto chorei pelo meu filho idolatrado, neste momento solene e neste local sagrado de abraço como se tu também o fosses, e abraço-te também como meu Irmão de Loja.” 

Fez-se Maçonaria.

Autor: Álvaro

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