terça-feira, 21 de junho de 2011

O Solstício está em nós

Por instantes, duas vezes em cada doze meses, o Sol alcança a sua maior declinação elíptica – e parece suspender-se em luz pura. Nesses dois dias mais longos do ano se marca o início dos ciclos maiores da Mãe-Natureza, celebrados desde que o Homem pôde conhecer e medir o seu lugar no Universo.

Desde a mais remota Antiguidade assinalamos, sob a forma de alegorias míticas e festas telúricas, a abertura gloriosa das Portas Solsticiais. E a própria etimologia latina do SOLSTITIUM nos remete para esse breve momento em que o Astro se sustém, grande e jorrando luz, franqueando os seus portais a quem ousa olhá-lo de frente.
Uma das faces do dualismo primordial do preto e do branco, expresso também nas duas faces do deus Janus, o Grande Arquitecto bifásico, está perfeitamente figurada na festa dos Fogos de S. João de Verão, o Solstício de Câncer, personificado no Baptista, e que assinala a travessia da Porta dos Homens, a abundância e a plenitude do que é perfeito.
O mesmo Sol que ilumina o Ser humano, neste momento de transição das trevas para a claridade, é o mesmo que faz germinar na terra os frutos. Por isso, nesta cerimónia, celebramos também o trigo, o vinho e o azeite – cada um na sua carga simbólica própria e todos como representação da capacidade geradora, desse início em que da semente brotam os primeiros rebentos que hão-de crescer, frutificar e multiplicar-se.
Todos os cultos iniciáticos comemoram a alegoria solsticial, desde a ancestralidade da consciência humana. Fizeram-no os antigos egípcios com Anúbis e os persas com os seus ritos estrelares. Fizeram-no os sacerdotes do Hinduísmo, com os pitri (os espíritos dos que partiram) e o deva yana (o caminho dos deuses). Fizeram-no os cultores dos ritos de Mitra e os gregos, nas suas celebrações de Hermes. Fizeram-no as comunidades druídicas das terras e ilhas do Mar do Norte. Fizeram-no os romanos na deusa Vesta, patrona do Fogo, condutora das almas na viagem do terreno para o celeste, isto é, do efémero para o perene. E fizeram-no os irmãos da Fraternidade dos Mathematikoi fundada por Pitágoras, e depois deles todas as escolas filosóficas e iniciáticas cujo labor se centra, como escreveu René Guénon, naquele momento em que “o passado já não é e o futuro ainda não é”.

Os construtores medievais, os maçons das Corporações de ofício, os Mestres do Craft, adoptaram as festas solsticiais, coincidentes com as celebrações de João Baptista (nos Fogos de Verão) e João Evangelista (nos Fogos de Inverno), e erigiram estes em patronos simbólicos das nossas Lojas de São João. Ainda hoje nós aqui o fazemos também.
No Ritual, quando o Venerável Mestre pergunta “De onde vens?”, a resposta que damos é “De uma Loja de São João”. Mas a qual dos dois Joões nos referimos? A ambos, na realidade, pois ambos constituem alegorias que remetem para a sublimação da construção. E há Irmãos que invocam ainda um terceiro João, S. João de Jerusalém, o Saint John Almoner, o João Esmoler e hospitaleiro tão ligado à reedificação dos Templos e ao socorro dos aflitos. Desse falaremos talvez noutra ocasião.
Algo distingue, contudo, o João Evangelista dos Fogos de Inverno do João Baptista dos Fogos de Verão. O primeiro é o que derrama a luz recebida, é o Verbo, aquele que espalha a ideia e acompanha os trabalhos de construção do Templo interior. O segundo é o João da Iniciação e da revelação, o neófito no preciso instante em que a venda lhe é retirada e ele pode contemplar o Sol iluminador. Também o Ritual o afirma, nesta passagem: “O Baptista, em pleno Fogo do Verão, clama pela expansão do Sol Vitorioso”.
A própria alegoria do baptismo explica, noutra figuração, o momento iniciático da luz. Aquele “que purifica pela água” é também aquele que abre os portais para “uma nova vida”, aqui reflectida na entrada num ciclo de “mais luz”. No baptismo encontramos ainda o princípio da transmissão espiritual através da Tradição. Isto é: ninguém se baptiza a si próprio, assim como ninguém é iniciado fora de uma cadeia tradicional, ininterrupta, que lhe dá valor e sentido – o que nos remete para os fundamentos iniciáticos da nossa Augusta Ordem e para a beleza da transmissão iniciática de Mestre a Discípulo.
Tal como estas celebrações solsticiais de Verão anunciam o dia claro e a luz brilhante, assim João Baptista é aquele que prepara e anuncia a era do Ser maior e o acompanha, pelo baptismo renovador, na travessia dos portais do entendimento. No Bhagavad Gitâ isto vem exposto com estas palavras: “Aqueles iluminados pela Luz do verdadeiro conhecimento recebido do Sol da Sabedoria, conhecem o Espírito Supremo e com Ele se unem; esses passam pela porta e abandonam as trevas”.
No Ritual, quando dizemos que “vimos de uma Loja de S. João” e o Venerável Mestre nos pergunta “Onde se encontra essa Loja?”, a nossa resposta é: “Em qualquer lugar em que o homem tome consciência de si próprio”.

Pois em cada um de nós nasce, com a iniciação, um solstício. O solstício está em nós.

Autor: A. Correia da Serra, n.s.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Saúde Pública

A Saúde Pública é a ciência e arte de proteger e promover a saúde, prevenir a doença e a incapacidade (com o objectivo de prolongar e melhorar a vida) através dos esforços organizados e escolhas informadas da sociedade, organizações públicas e privadas, comunidades e indivíduos.

O conceito de Saúde Pública tem evoluído lentamente. De um campo de actuação predominantemente preocupado com as medidas de prevenção das doenças transmissíveis consideradas necessárias para proteger as populações, assistiu-se ultimamente a uma incorporação crescente de práticas de administração e gestão na prevenção das doenças e na prestação de serviços públicos de saúde. Salienta-se, no entanto, a posição desvantajosa em que sempre se encontrou e as limitações inerentes a uma infra-estrutura de suporte desactualizada, subfinanciada e com escassez de recursos humanos e técnicos.
No entanto, e à medida que avançámos através dos primeiros anos do séc. XXI, tornou-se cada vez mais evidente a contribuição da Saúde Pública na escola, no local de trabalho, nas cidades e nos cuidados de saúde. Há agora por parte dos decisores políticos a percepção de que a promoção e a protecção da saúde das populações, assim como a alteração dos estilos de vida e comportamentos requerem bem mais do que promessas.
Neste contexto, a melhoria da saúde pública requer um esforço multidisciplinar, exigindo a todos os sectores da sociedade a sua contribuição. Além disso, os dividendos decorrentes de uma melhor saúde também serão sentidos por todos os sectores da sociedade uma vez traduzidos em custos sociais e financeiros. Salienta-se, assim, a importância de uma boa saúde comunitária como um recurso económico.
As conquistas da Saúde Pública no Século XX foram relevantes e podemos citar, entre outras: o reconhecimento do tabaco como perigo para a saúde, o controlo das doenças transmissíveis nomeadamente através da vacinação, a redução drástica da mortalidade materna, infantil e perinatal e o planeamento familiar.

Por outro lado em grande parte do Século XX, os sistemas de saúde foram construídos em torno de hospitais e especialistas que fazendo prevalecer a sua tecnologia e especialização, ganharam um papel central na maioria dos sistemas de saúde em todo o mundo. Hoje em dia, o ênfase desproporcional nos hospitais e na especialização e sub-especialização tornou-se fonte de ineficácia e desigualdade, que já provou ser extraordinariamente resistente à mudança.
Novos desafios e novas necessidades estão a ser equacionados: na demografia (redução progressiva da natalidade e o envelhecimento da população), na transição epidemiológica dos padrões de saúde-doença (aumento da obesidade, diabetes, doenças oncológicas e doenças mentais), nas doenças transmissíveis (tuberculose multiresistente, HIV/SIDA, microrganismos multiresistentes, infecção associada aos cuidados de saúde e gripe das aves), na segurança rodoviária e no planeamento das nossas cidades. Estas transformações epidemiológicas, demográficas e sociais, alimentadas pela globalização, urbanização e populações envelhecidas, colocam desafios de uma magnitude que não estava prevista há três décadas atrás.
Estes novos desafios ultrapassam o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o Sistema de Segurança Social mas impõem-lhe adaptações rápidas e soluções adequadas e eficientes baseadas no reforço da sua organização e infra-estrutura.

Daqui se infere da necessidade de uma aposta clara nos cuidados de saúde primários e na medicina preventiva que leve em conta a história natural das doenças e de um planeamento em saúde baseado na evidência científica e na governação clínica. Isto porque os cuidados de saúde primários têm mais ou menos a mesma probabilidade de identificar as doenças graves mais frequentes; têm o mesmo nível de adesão às normas clínicas mais recentes e que são adoptadas pelos especialistas; prescrevem poucas intervenções invasivas, as hospitalizações da sua iniciativa são menos frequentes e mais curtas e as intervenções têm uma maior orientação para a prevenção. Tudo isto resulta em cuidados de saúde com custos totais mais baixos, com impactos na saúde pelo menos idênticos mas com maior satisfação dos doentes.
Assim, esta reforma da Saúde Pública e dos cuidados de saúde primários em particular, deverá ser efectuada com base num reforço das competências e responsabilização dos médicos de família, dos médicos de saúde pública e dos profissionais de enfermagem num quadro de sustentabilidade do SNS e orientada para a obtenção de ganhos em saúde efectivos para a toda população com equidade e eficiência.

Autor: Mário Pereira

terça-feira, 7 de junho de 2011

Violência Social

Maçons preocupados com a escalada de violência
Maçons de todas as tendências e obediências têm vindo a expressar, nas suas Lojas, uma crescente preocupação face à escalada de violência na sociedade portuguesa.
Tiroteios em centros comerciais, confrontos entre grupos étnicos, agressões entre 'gangs' rivais, assaltos à mão armada a estabelecimentos e a casas particulares, violência agravada e crescente sobre idosos e crianças, e até entre crianças, violência doméstica, violência no discurso privado e no discurso público, violência nas ruas e nos locais de trabalho e de lazer, banalização do confronto físico, do uso de armas e mesmo do homicídio – são algumas expressões preocupantes da violência que, nos últimos meses, tem vindo a aumentar exponencialmente no nosso País, de forma alarmante.
A acção dos legisladores e dos poderes públicos tem-se centrado nos meios repressivos, através do reforço da intervenção policial e dos instrumentos de contenção dos actos violentos.
É compreensível que assim se proceda. Contudo, num quadro generalizado de crise económica e de valores, a acção de simples controlo da violência 'a posteriori' não poderá, por si só, conduzir a um clima de apaziguamento, tão necessário para que o País e os portugueses possam entregar-se à tarefa da recuperação do seu bem-estar, da sua dignidade e do seu direito à felicidade.
Um esforço de consciencialização para o grave problema da violência deve também ser responsabilidade de educadores, jornalistas, juristas, legisladores, políticos e, de um modo geral, de todos os agentes sociais cuja palavra possa ser ouvida num momento de perturbação e crise.

Os maçons portugueses não podem, no campo de trabalho social e espiritual que é o seu, alhear-se deste problema ou enjeitar responsabilidades. É nesse sentido que o Grémio Alexandria, consciente de que reflecte as preocupações dos maçons portugueses, exorta a um reforço dos valores da solidariedade e da fraternidade e faz um apelo para que todos aqueles que têm voz a usem na prevenção da violência social e na defesa dos princípios humanitários que inspiram os homens de bem e constituem o fundamento da própria Ordem Maçónica.

Autor: Com a devida vénia do Grémio Alexandria
O Grémio Alexandria é uma associação informal de maçons dedicada à reflexão sobre a vida em sociedade. Não reflecte a posição oficial de qualquer Loja ou Jurisdição maçónica, apenas se reclamando dos valores e princípios da Maçonaria Universal. (gremioalexandria@gmail.com)